domingo, 26 de julho de 2009

Há assuntos que não se deve tratar com a ligeireza com que se mata uma mosca

Trecho de notícia no Estadão sobre as declarações racistas de Obama:
O presidente dos EUA, Barack Obama, admitiu neste sábado que não fez uma boa escolha de palavras ao dizer que o policial que prendeu um professor negro da Universidade de Havard, em Cambridge, agiu "de forma estúpida".

"Isso foi se acumulando, e eu obviamente contribui com isso", admitiu Obama. "Quero deixar claro que em minhas palavras, infelizmente eu deixei a impressão de que estava crucificando [sic] a Polícia de Cambridge e o oficial Crowley especificamente. Eu poderia ter medido minhas palavras", admitiu o presidente. "Isso reteve muita atenção, e isso prova que esse assunto ainda é muito sensível nos EUA", completou.

Não, Obama, isso mostra que uma declaração, por mais impensada que seja, tem peso muito maior quanto maior a autoridade que a profere. Vossa excelência não "deixou a impressão", mas acusou nominalmente o oficial de estupidez (Obama não usou a expressão "crucificar", mas sim "maldizer", "difamar"). Tanto mais quando um presidente a usa para defender um amigo, à revelia dos fatos.

Mas o que me preocupa é mesmo a facilidade com que se dão declarações sobre o que mal se sabe, a rapidez com que julgamentos são feitos mesmo sem ouvir ambas as partes. Um exemplo mais perigoso do que o professor racialista acima foi a condenação hegemônica ao "golpe de Estado" em Honduras. Segundo Demétrio Magnoli:
A Constituição de 1982 é um documento curioso. Vazada em linguagem democrática, ela assegura a hegemonia do duopólio partidário e a alternância de poder entre o PLH e o PNH. Para evitar a ascensão de um caudilho subordina a realização de consultas populares à aprovação de uma maioria de dois terços do Congresso. O ferrolho completa-se com os artigos 373, que só permite emendas constitucionais pelo voto de dois terços dos parlamentares, e 374, que define o mandato único presidencial de quatro anos como cláusula pétrea. Adicionalmente, o artigo 42 prevê a punição de perda de cidadania pelo crime de "incitar o continuísmo ou a reeleição" presidencial, o artigo 239 determina a "cessação" imediata das funções públicas de quem "proponha a reforma" da cláusula do mandato presidencial único e o artigo 272 consigna, entre as funções das Forças Armadas, a defesa da alternância na presidência. Zelaya, um integrante da elite do PLH, rico criador de gado e comerciante de madeira, elegeu-se em 2005 e sonhou elevar-se a caudilho. A sua pretensão envolveu Honduras no turbilhão da "revolução bolivariana".

Ou seja, o máximo que podemos dizer é que a Constituição hondurenha é requintada em punições mas falha no processo (na carta não há menção ao processo de impeachment, por exemplo). No blog do Alon também há um comentário interessante, dizendo basicamente a mesma coisa:
Qual é a diferença entre os dois episódios, a Venezuela em 2002 e Honduras agora? O respeito à legalidade. Você pode não gostar do rumo por que vai a Venezuela, mas não há acusações críveis de que Chávez tenha rompido a constitucionalidade. Similar é a situação de Evo Morales, na Bolívia, e Rafael Correa, no Equador. Nas condições particulares da América do Sul, continente historicamente infestado por casuísmos e casuístas, aqueles três países conduzem seus conturbados processos políticos dentro da lei. Mas em Honduras foi diferente. Zelaya quis dar o pulo do gato. Sem rede de proteção.

Lamento as declarações irresponsáveis de Obama e dos outros iluminados, que temo serão cada vez mais frequentes. Porque os efeitos deletérios desses comportamentos são difusos e de longo prazo, enquanto as vantagens aparentes são capitalizadas no curto prazo (paradoxo sorites). E o que ganha Obama, ao tentar agradar quem lhe odeia? Chávez reclamando da postura menos parcial dos EUA:
"A máscara de Obama está caindo. Ele deve saber que se enfrentar o establishment acabará morrendo, então seguramente preferiu viver e deixar as coisas acontecerem", criticou o venezuelano em discurso em cadeia de rádio e TV.

Como diz minha sábia vovó, "quanto mais se abaixa mais se mostra a bunda".

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